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Este novo livro está já nas livrarias, numa altura em que se perfazem 48 anos de democracia em Portugal, justamente após também 48 anos da ditadura de Salazar e Caetano. Trata-se de uma obra que para além de analisar as relações dos presidentes da República com os media no pós-25 de Abril, sintetiza também, nesse campo estrito da comunicação social, uma história desde o 25 de Abril de 1974 até aos nossos dias.
São múltiplas as perspetivas de cada presidente relativamente à comunicação social, mas esta obra destaca um tom crítico comum a todos os PR que perfizeram dois mandatos.
Eanes conheceu o dispositivo mediático televisivo por dentro, e isso será determinante na sua interação futura com os media já na Presidência da República e na sua perceção de fenómenos de controlo dos media pelo sistema político-partidário, que Eanes refere como uma continuada “colonização” dos meios de comunicação social.
Soares viveu intensamente os dois lados da barricada. Por um lado, manipulou e instrumentalizou os media: “Não me isento de culpas, que as tenho e grandes, em matéria de relacionamento com a comunicação social”. Por outro lado, sentiu-se gravemente atacado pelos mesmos media que antes tinham estado sob o seu controlo, como é claro na sua mensagem à Assembleia da República sobre a manipulação da RTP pelo executivo de Cavaco Silva, para dizer que o que ali se passava era “indigno de um país democrático”.
Sampaio também tinha frequentes queixas dos media. A cobertura mediática das atividades da Presidência deixava-o muitas vezes insatisfeito e crítico. Para Jorge Sampaio a comunicação social precisava de ser objeto de uma pedagogia que a libertasse da obsessão do acessório e do imediato. Chegou a reconhecer a ineficácia das políticas de comunicação da União Europeia, das quais esperava uma “diferente perícia” para comunicar a bondada de um caminho.
Se Sampaio foi o Presidente tranquilo em matéria de media, Cavaco Silva seria um Presidente intranquilo e algo angustiado perante os meios de comunicação social e os jornalistas. Nesta desconfiança progressiva dos media por parte do PR há também um fator externo que tinha vindo, entretanto, a constituir-se: o fator Sócrates. A progressiva tensão entre Belém e São Bento deixaria a presidência de Cavaco marcada por um declínio da sua imagem nos media e na opinião pública. O seu segundo mandato acabaria por ser “altamente impopular”: o “líder carismático notável” dos anos 80 estava então irreconhecível.
Marcelo, “o comunicador”, e já com o estatuto de “celebridade” televisiva, fundou uma magistratura assente na “comunidade de afetos” e na “descrispação” política. O seu primeiro mandato decorre em pleno “estado de graça”. Tem uma presença quase monopolizadora nos media. Não é só fonte hegemónica, ele marca a própria agenda. Marcelo é um Presidente que, ao contrário de todos os outros, pelo menos no seu primeiro mandato, não teve nenhuma grande questão com a comunicação social, nunca fez nenhuma crítica institucional direta, forte, ao sistema de media, como Eanes, Soares, Sampaio e Cavaco fizeram. O “dispositivo” Marcelo encarnou na perfeição no dispositivo mediático.
Como olhar então para estes quase cinquenta anos de história dos media em Portugal? Como ver essa evolução associada a estes cinco grandes protagonistas da história portuguesa, supremos magistrados da nação, e como pensar essa história sob a influência e o exercício da sua ação política? Qual, ou quais deles, foram mais determinantes no impulso ou na inflexão do caminho para a consolidação do pluralismo e da diversidade da comunicação social, no reforço sustentado da opinião pública portuguesa e da sua literacia mediática?
É sabido que a comunicação social é um sector estratégico nas democracias modernas, dela depende, em boa parte, a autonomia da opinião pública e a formação de uma cidadania sólida a que a participação cívica e a virtude civil não sejam estranhas. Estes desígnios ganharam uma importância acrescida após o final do século XX, com a emergência das redes sociais, que trouxeram consigo fenómenos globais, bastante complexos, de desinformação, despolitização e polarização política. Como se tem vindo a verificar, os novos gatekeepers do jornalismo são, cada vez mais, os algoritmos das redes sociais, o que acaba por devolver à imprensa e ao jornalismo uma função renovada, de valor acrescido, decisivo para as atuais sociedades democráticas.
Portugal viveu no pós-25 de Abril tempos disruptivos. Abolimos a censura e recuperámos a liberdade de expressão e de imprensa. Concluímos o processo complexo de independência das ex-colónias espalhadas pelo mundo. Consolidámos um sistema político-partidário semi-presidencialista. Aderimos à CEE e ganhámos um novo estatuto no contexto mundial das nações.
Quase cinquenta anos depois de Abril, o atual momento é crítico. Temos agora um sistema de media precário, pouca transparência e reduzido escrutínio da coisa pública. Uma cidadania algo descrente no crescimento do país e nas forças da inovação na economia e na sociedade como aliados naturais de uma democracia moderna, tal como ambicionava ter o Presidente Sampaio.
Como se verificará nesta obra, diversa foi – e será, certamente – a contribuição dos presidentes para o campo dos media, sobretudo no que isso tem a ver com a consolidação do regime democrático e o desenvolvimento e a sustentabilidade do país.
Aborda-se ainda a questão do reforço da legitimação das entidades reguladoras – bem como o reforço da sua estrita independência, que poderá vir a passar pela nomeação partilhada entre PR e AR dos seus membros, o que não somente relegitimará o estatuto destas entidades, como contribuirá para um modelo de regulação mais forte e transparente, menos capturável pelos regulados, pelo legislador e pelos governos, e, no caso, para uma comunicação social mais escrutinadora, plural e consolidada.
Nota biográfica
Francisco Rui Cádima é professor catedrático aposentado do Departamento de Ciências da Comunicação da NOVA FCSH. É investigador do ICNOVA – Instituto de Comunicação da NOVA, tendo sido diretor deste instituto de 2017 a 2021.
Foi membro do Conselho Científico da NOVA FCSH (2013-2018), Coordenador do Departamento de Ciências da Comunicação e dos cursos de doutoramento de Ciências da Comunicação e mestrado de Novos Media e Práticas Web.
Foi representante de Portugal no Conselho Intergovernamental do Programa Internacional para o Desenvolvimento da Comunicação (PIDC) da UNESCO (2001-2005). Entre 1999 e 2004 lançou o Obercom – Observatório da Comunicação, tendo sido o seu primeiro diretor.
Foi diretor e membro da direção de várias revistas académicas e científicas: Media e Jornalismo (CIMJ e ICNOVA); Observatório (Obercom); Revista de Comunicação e Linguagens (CECL) e Tendências XXI (APDC). Foi Consejero Asociado da revista TELOS - Cuadernos de Comunicación e Innovación, da Fundación Telefónica, sob a direção do saudoso Prof. Enrique Bustamante, catedrático da Universidade Complutense de Madrid.
Integrou equipas de trabalho de Comissões Nacionais como a Comissão de Reflexão sobre o Futuro da Televisão (1996) e o Livro Verde para a Sociedade de Informação (1997).
Foi membro de diversas associações e conselhos sectoriais, tendo sido nomeadamente membro dos Conselhos de Opinião da RDP e RTP.
Doutorou-se em Comunicação Social pela NOVA FCSH (1993), com a tese O Telejornal e o Sistema Político em Portugal ao Tempo de Salazar e Caetano (1957-1974).
É autor e co-autor de 21 obras sobre comunicação, audiovisual e novos media:
• Perspectivas multidisciplinares da Comunicação em contexto de Pandemia (com Ivone Ferreira) (Vols. I e II). Lisboa: ICNOVA, 2020-2021.
• Diversidade e Pluralismo nos Média. Lisboa: ICNOVA, 2019.
• O (Des)controlo da Internet. Sobre Pluralismo e Diversidade na Rede. Lisboa: Media XXI, 2017.
• A Era Digital – Primeiros Impactos. Media XXI, 2015.
• Comunicação e Linguagem: Novas Convergências. Livro de Homenagem ao Prof. Adriano Duarte Rodrigues. (co-ed. com João Sàágua). Lisboa: FCSH, 2015.
• História, Media, Poder, Lisboa: QuatroCês, 2013.
• Políticas Públicas, Media e Estado. (co-ed. com João Paulo Faustino). Lisboa: Formalpress/Media XXI, 2013.
• Espaço Público, Direitos Humanos e Multimédia: Novos Desafios. (co-ed. com Maria Goretti Pedroso e Rosana Martins). Rio de Janeiro: Editora Multifoco, 2011.
• A Televisão, o Digital e a Cultura Participativa. Lisboa: Media XXI, 2011.
• Media, Redes e Comunicação: Futuros Presentes (co-ed. com Gustavo Cardoso e Luís Landerset Cardoso). Lisboa: Quimera, 2009.
• Crise e Crítica do Sistema de Media – O Caso Português. Lisboa: Edições Formalpress, Col. Media XXI, 2009.
• A Crise do Audiovisual Europeu – 20 Anos de Políticas Europeias em Análise. Lisboa: Edições Formalpress, Col. Media XXI, 2007.
• A Televisão ‘Light’ Rumo ao Digital. Lisboa: Edições Formalpress, Col. Media XXI, 2006.
• Representações (imagens) dos Imigrantes e Minorias Étnicas (co-ed. com Alexandra Figueiredo). Lisboa: ACIME, 2003.
• História e Crítica da Comunicação. Edições Século XXI, Lisboa, 2002 (2ª edição). Primeira edição publicada em 1996, também pelas Edições Século XXI.
• Desafios dos Novos Media. Editorial Notícias, Lisboa, 2001 (2ª edição). Primeira edição publicada em 1996, também pela Editorial Notícias.
• Estratégias e Discursos da Publicidade. Editorial Vega, Lisboa, 1997.
• Salazar, Caetano e a Televisão Portuguesa. Lisboa, Editorial Presença, 1996.
• O Fenómeno Televisivo. Lisboa, Círculo de Leitores, 1995.